A circulação de tudo o que existe no mundo foi significativamente alterada nos últimos anos e só agora vislumbramos um novo padrão que começa a se consolidar: de um lado, o volume de trocas e devolução de mercadorias no ecommerce aumenta; de outro, outros negócios passam a depender de uma boa operação de RMA.
Era evidente que a pandemia exponenciaria o ecommerce e que, mesmo após o período de isolamento, parte das compras não retornaria ao varejo presencial. Era uma tendência anunciada, que nós, da Pontonet, vimos divulgando, a fim de que varejistas brasileiras de todos os portes pudessem se preparar. De fato, a imprensa já se refere ao volume de trocas e devoluções que movimentam o comércio online com termos como “enxurrada”, “avalanche” e “tsunami”.
Analisando as informações e demandas que chegam à Pontonet, vejo a necessidade de promover uma discussão mais abrangente sobre as mudanças no regime geral de mobilidade, seja física ou digital. Não há dúvidas de que a circulação de tudo o que existe no mundo foi significativamente alterada nos últimos anos, e que só agora vislumbramos um novo padrão que começa a se consolidar. Se parte do trânsito humano pelo mundo não retornou ao que era antes, nunca a circulação de objetos, informações, dados, imagens e dinheiro foi tão intensa e acelerada.
É preciso ajustar a lente para enxergar que a elevação do varejo online é apenas o ponto visível de um grande iceberg. A questão nevrálgica é: a atividade de RMA, por anos considerada de ordem tática, ascende agora a nível estratégico. Não é exagero cogitar que uma série de negócios em segmentos antes inimagináveis passem a depender intrinsecamente de um bom RMA para sobreviver.
Antes de desenvolver esse argumento, explico que o termo RMA entrou para o jargão da administração como sigla para Return Material Authorization. Por anos, a expressão foi entendida como sinônimo de logística ou postagem reversa, e considerada problema exclusivo de varejistas de grande porte, geralmente globais. Embora isso tenha sido há poucos anos, representa um passado obsoleto.
As necessidades atuais de RMA são as mais inusitadas. Firmas com colaboradores em home office agora precisam enviar e retirar todo tipo de material e documentação a domicílio. O crachá desmagnetizou? Envia para uma central, conserta e posta de volta. A maquininha de cartão (POS) apresentou defeito? Abre um chamado, provavelmente via Whatsapp, e o POS é diagnosticado e reparado remotamente ou um novo é enviado em tempo recorde, inclusive a lugares remotos. Hospitais e clínicas recolhem exames para serem verificados em laboratórios centrais e os resultados (às vezes na forma de radiografias físicas, por ex.) precisam ser enviados de volta, com rapidez, confidencialidade e precisão. Executivos, vendedores, agentes de trânsito e tantos outros profissionais precisam que seus celulares, computadores, sensores, tablets e outros dispositivos estejam operantes para exercer as suas atividades. Houve uma intercorrência? O que se espera é abrir um chamado e providenciar a chegada rápida de um novo equipamento. Gigantes da tecnologia agora ensinam os usuários a consertar seus próprios equipamentos. Redes de picolés comercializam por aplicativo. Marcas prestigiadas entregaram ovos de Páscoa em domicílio. Um sucesso para empresas que tomam os cuidados de refrigeração e embalagem adequados; um sucessão de ruídos para as demais. Caminhões, escavadeiras, refeições, bisturis, armamentos, animais, plantas, sementes, produtos químicos… quase tudo passou a ser entregue pelas empresas, ponta a ponta. E parte do que é entregue será fatidicamente devolvido – e deveria ser tratado, sob o risco de consideráveis perdas financeiras e de imagem.
São frequentes as notícias sobre equipes, muitas vezes caras e especializadas em outras áreas, que estão acumulando funções de envio e recebimento de itens variados. Além de sobrecarregar e desestimular seus times, as empresas acabam oferecendo serviços aquém do que poderiam, a custos maiores do que o necessário. Escritórios normalmente localizados em regiões de elevado valor imobiliário são tomados por estoques, caixas, embalagens, papelada. Toda essa movimentação implica em controles (ou deveria!). Controles de envio, recebimento, segurança da informação, rastreio, seguros, reembolso, custos, compensação financeira, débitos, créditos, códigos, números de pedido, números de cartão de crédito, endereços, CPFs, CNPJs… toda a sorte de dados críticos. Os riscos implicados são numerosos e precisam ser considerados.
Não é exagero afirmar que hoje, praticamente todo negócio apresente algum tipo de necessidade de RMA, que agora precisa ser entendido como tratamento profissional de tudo o que é movimentado ou reparado sob responsabilidade das empresas. É preciso urgentemente revisar os processos corporativos e reconhecer as atividades que poderiam ser aliviadas das operações principais, para serem entendidas e gerenciadas adequadamente, permitido que as organizações se concentrem no core business.
Tudo indica que a velocidade dessas demandas seguirá aumentando. Uma coisa, portanto, é internalizar a gestão de 5 ou 15 postagens diárias. Mas por quanto tempo essa será uma prática sustentável? Ou, olhando com outros óculos: como as empresas podem se beneficiar da transição no padrão de mobilidade e criar soluções e se tornarem mais competitivas?
O debate é bom e há uma série de propostas em ebulição. Por isso convido executivos, empresários e gestores a engrossar a troca experiências e participar do fomento de práticas que, em breve, se tornarão a referência ou até mesmo a norma corrente do mercado.
José Adelmo Soares Mello (Zeca), CEO da Pontonet